Temos medo do fundo do poço.
Temos medo de chegar ao fundo do poço e, mais do que isso, temos medo de ficarmos estagnados no fundo do poço. Vivemos tentando evitar chegar nele porque
existe uma consciência comum de que quem o alcança não sairá dele tão
facilmente. Será?
Mas o que é o fundo do poço?
Temos tanto medo dele que até evitamos pensar nele. Para mim, chegar
ao fundo do poço pode ser uma desistência em massa. Uma parada brusca,
uma desaceleração. Um intervalo. Uma necessidade de voltar ao ponto zero
e ficar ali por um tempo.
Chegar ao fundo do poço pode ser um cansaço que vem se acumulando na
alma e cavando um buraco fundo onde são depositados aqueles sentimentos
que não tivemos tempo de encarar e lidar na nossa alucinada maratona de
matar um leão por dia.
O fundo do poço é um depósito
de nós mesmos, um porão que nunca entramos, onde vamos jogando tudo
aquilo que ainda não pudemos nos desfazer e desapegar, tudo aquilo que
deixamos pra pensar e resolver depois. Todos aqueles sentimentos
‘inúteis’ e ‘feios’, que se ficarem habitando cotidianamente nossa alma,
nos travam o rápido caminhar. Então tomamos a decisão mais fácil,
tira-los da vista. Vão para o porão da alma, vão para o fundo do poço.
Ninguém quer chegar ao fundo do poço, ninguém quer passar um bom
tempo no fundo do poço, ninguém quer mostrar ao mundo seu fundo do poço.
A vida é tão curta, queremos mostrar ao mundo o que em nós é jardim e
casa arrumada, os ambientes sorridentes, bem iluminados e arejados,
festivos. Aprendemos desde cedo a cimentar os nossos próprios porões, a
trancar a sete chaves e esquecer o acesso. Temos vergonha de dar
qualquer pista de que estamos perto do fundo do poço e temos pavor de
pensar em perder algum tempo de vida nesse lugar mofado, escuro, cheio
de entulhos e fantasmas.
Se por qualquer motivo, a vida traz à tona nosso fundo do poço, nossa
primeira reação é querer disfarçar e sair dali o quanto antes. Queremos
pegar impulso e voltar para a nossa incessável engrenagem diária,
voltar a nos encaixar, voltar a sermos bonitos, bem resolvidos, como
todo mundo. Queremos recuperar o equilíbrio.
Por que temos tanto medo do fundo do poço?
Temos medo do desconhecido, queremos percorrer apenas as estradas
mapeadas. Ao invés de tentarmos sermos mais humanos, empáticos,
profundos com esses nossos lados, fingimos que eles não existem.
Marginalizamos o que em nós é obscuro e insólito. Tudo que é
desconhecido nos causa medo. Não queremos sentir medo e nem causar medo.
Então seguimos nas nossas velhas estradas rasas e pavimentadas.
Temos medo também do nosso próprio silêncio. Falamos muito de tudo e
de todos o tempo todo para não deixarmos nosso pensamento escutar os
ecos de nossa alma. Sabemos falar sobre tudo, mas não sabemos expressar o
que em nós é grande e misterioso. E no nosso fundo do poço, o silêncio
grita. E temos medo de escutá-lo. Temos medo das verdades que nossos
silêncios trazem.
Além disso, temos medo de mostrar ao mundo que estamos no fundo do
poço. Não aceitamos admitir que não queremos mais participar da maratona
de matar um leão por dia, que fraquejamos, que perdemos, que estamos
frustrados, que precisamos de um bom tempo sozinhos para processar e
limpar o velho porão cheio de sentimentos mofados e mal cheirosos que se
não forem organizados em algum momento, deteriorarão nossa alma. Temos
vergonha social de admitir nosso fundo do poço.
E, finalmente, temos medo também de nunca mais sairmos dele. Temos
medo de não conseguirmos voltar, de não termos forças para enfrentar
tudo, temos medo de ficarmos para trás, de perdermos tempo, e de
perdermos a vida. Presos e estagnados num porão que parou no tempo.
Temos tantos medos!
Engraçado, temos medo de perder tempo e de perder a vida. Mas, perder
um pedaço do que somos realmente, mesmo que feio, mesmo que sombrio, é
viver por inteiro?
Queremos seguir a vida apenas com nossas vitórias estampadas na nossa fachada.
Ao encobrir nosso fundo do poço, enganamos o mundo, mas ele continua grande e profundo em algum esconderijo de nós mesmos.
É… mas e se aceitamos ficar um tempo no fundo do poço?
E se olharmos para os medos e aprendermos a encarar a nós mesmos de
frente? E se concordarmos em permanecer quietos e silenciosos depois
que tudo se esgotou (amor, trabalho, dinheiro)? E se ao invés de sairmos
correndo procurando outro amor, trabalho, dinheiro, esperarmos um
pouco, escutarmos o silêncio?
E se ousarmos usar o fundo do poço para fazer um retiro existencial?
Quase como um templo de meditação, fecharmos as janelas para o mundo e
tentarmos ouvir essas versões clandestinas de nós mesmos.
E se aprendermos a aceitar o que em nós parecia inaceitável?
Já que o fundo do poço é onde tudo se esgotou, não temos mesmo nada mais a perder. Então nos demoremos um pouco nele!
Pode ser que percebamos que o que eram fantasmas aterrorizadores são, na verdade, uma grande parte do que nos constitui.
Sair rapidamente do fundo do poço pode significar voltar para o mesmo
velho caminhar. E tudo pode tornar a ficar razoavelmente bem, na medida
em que continuarmos nos equilibrando entre cavar e camuflar buracos.
Ficar um tempo no fundo do poço pode significar encontrar riquezas
escondidas, mapas de tesouro, caminhos alternativos e verdades ocultas. E
aí poderemos voltar a superfície sem ajuda de escadas e esforços de
impulsos, porque teremos desenvolvido asas.
(fonte:thesecret.tv.br)
Amor,Luz e Paz