Meditar:
a ciência descobre os benefícios - A vantagem da meditação para o
equilíbrio físico e mental sempre foi difundida pelas filosofias
orientais. Mas nunca, como ultimamente, tantas áreas da saúde têm
comprovado (e incorporado) sua eficácia
Do latim meditare, que significa desligar-se do mundo exterior e voltar
a atenção para dentro de si, a meditação está gradativamente se
transformando na nova queridinha da medicina. De acordo com estudos
recentes, realizados nos quatro cantos do planeta, a prática meditativa
pode até alterar a fisiologia do organismo. Isso significa prevenir e
combater a ansiedade, a depressão e uma série de outros males, como a
hipertensão arterial, a dor crônica, a insônia, os sintomas da temida
tensão pré-menstrual, além de ajudar dependentes de drogas a largar o
vício, incluindo a nicotina. Não faltam avais de governos. No começo de
2006, o equivalente norte-americano do Ministério da Saúde (NIH)
reconheceu a meditação como um recurso terapêutico a ser incorporado à
medicina convencional. Em maio daquele ano, foi a vez do órgão
brasileiro baixar uma VIVERBEM Meditar portaria, autorizando a adoção da
prática meditativa em postos de saúde e hospitais públicos
Melhora a atenção
As pesquisas com grupos de controle (medita/não medita), além de serem
cada vez mais comuns em todo o mundo, têm contribuído cientificamente
para a comprovação dos benefícios da prática, dados estes registrados
desde a antiguidade. A última delas foi publicada pela prestigiada
revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences, dos
Estados Unidos, na segunda semana de outubro. Segundo pesquisadores do
Laboratório de Corpo e Mente da Universidade Dalian, China, uma análise
demonstrou que um grupo de 40 estudantes, que meditava 20 minutos
diariamente, apresentava um menor nível de estresse, melhora da atenção e
do desempenho cognitivo e emocional, em comparação com igual número de
estudantes que não desligou o 'piloto automático', forma de se referir à
desconexão momentânea do turbilhão de pensamentos com que convive um
ser humano acordado. Uma das conclusões do estudo foi que existe uma
relação entre a meditação e o bom desempenho de tarefas que requerem
atenção.
O QUE É O SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO É a área do
sistema nervoso que controla as ações involuntárias, isto é, funciona
independente da nossa vontade, como a contração das musculaturas lisa e
cardíaca. Esta área se subdivide em sistema simpático e parassimpático. O
simpático estimula ações que mobilizam energia, ajudando o organismo a
responder a situações de estresse, por exemplo. É responsável pela
aceleração dos batimentos cardíacos, aumento da pressão arterial,
concentração do açúcar no sangue... O sistema parassimpático funcionaria
no sentido contrário, como que para 'compensar' os excessos do
simpático, reduzindo o ritmo cardíaco, a pressão arterial...
Função antiestresse
"Meditar reequilibra o sistema nervoso autonômico (ou autônomo - veja
quadro Sistema Nervoso Autônomo), fazendo com que os circuitos de
relaxamento predominem, e os circuitos de estresse só sejam acionados em
situações de real necessidade", explica a neurologista Denise Menezes,
professora do departamento de Psicologia do Desenvolvimento da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pesquisadora em
Medicina Mente-Corpo da instituição. Quando excessivamente ativados,
por exemplo, pela correria da vida nas grandes cidades, os circuitos de
estresse - ativados pelo sistema nervoso simpático - aumentam a
predisposição genética a doenças. "É a redução da atividade do sistema
simpático e, em contrapartida, a maior ativação do parassimpático que
vai dar a sensação de relaxamento e bem-estar proporcionada pela
meditação", confirma Elisa Harumi Kozasa, doutora em psicobiologia pela
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pesquisadora da Unidade de
Medicina Comportamental da faculdade, a mais destacada instituição
brasileira a investigar os efeitos psicobiológicos favoráveis da
meditação
Reações e pensamentos Pode parecer contraditório
que uma atividade que produz relaxamento também ajude a melhorar a
atenção, mas a explicação é também fisiológica, de acordo com Kozasa: "a
meditação, conforme demonstrado em vários estudos por meio da avaliação
por imagens durante as sessões, ativa regiões do cérebro ligadas à
atenção, como o córtex pré-frontal". A psicóloga Júnia Ferreira, também
do Departamento de Medicina Comportamental da Unifesp, acrescenta outro
aspecto. "O que se busca é centrar mente e corpo e um maior equilíbrio
desse foco em si mesmo". Significa que, apesar de alcançar o que os
especialistas chamam de estado alterado de consciência, quem medita
alcança uma maior percepção do próprio corpo e, no limite, aprende a
lidar melhor com as próprias reações e pensamentos. Essa "consciência do
corpo" pode chegar ao ponto, afirma a psicóloga, de a própria pessoa
que está meditando escutar seus batimentos cardíacos e perceber a
contração dos próprios músculos e de sua respiração.
"A MEDITAÇÃO É ENCARADA HOJE COMO UMA DAS MAIS POTENTES PRÁTICAS CAPAZES DE PROMOVER A EXPANSÃO DA ATIVIDADE CEREBRAL"
Memória, atenção, decisões
"A atenção focada num determinado ponto é uma das premissas para
obtermos resultados eficazes durante uma sessão meditativa", diz Kozasa.
Funcionaria como uma poderosa ginástica para o cérebro, o que já foi
demonstrado por uma pesquisa que se tornou um clássico nessa área.
Há dois anos, a pesquisadora norte- americana Sara Lazar, doutora em
biologia molecular pela prestigiada Universidade de Harvard, publicou um
estudo de imagens, demonstrando que algumas áreas do córtex cerebral
apresentavam-se alteradas em adeptos de um tipo de meditação conhecida
como mindfulness, ou atenção plena, uma técnica que se tornou bem
popular nos Estados Unidos.
"O estudo mostrou que as áreas
relativas à memória, como as de atenção e tomada de decisões, são mais
espessas anatomicamente nos que praticam a meditação", relata Kozasa,
cuja tese de doutorado na Unifesp constatou os efeitos positivos da
meditação e da respiração na ioga para casos de ansiedade, depressão e
desatenção. Os mais entusiasmados especulam sobre a possibilidade de a
prática conseguir retardar a atrofia de certas áreas cerebrais
relacionadas à idade, mas a pesquisadora prefere a cautela: são
necessárias mais pesquisas para confirmar os dados obtidos até aqui.
"A TÉCNICA JÁ FOI INCORPORADA POR MUITOS SERVIÇOS PÚBLICOS DE SAÚDE,
INCLUSIVE EM SÃO PAULO. ISTO É, NÃO SE TRATA MAIS DE ALGO EXCEPCIONAL"
Muitas técnicas
Para meditar, uma pessoa não precisa necessariamente sentar em posição
de iogue, com as pernas cruzadas, olhos fechados e atitude interiormente
contemplativa. Há tantas técnicas, como opções musicais para acompanhar
essa sessão de auto-transporte. Menezes, a neurologista, dá dicas
preciosas para meditadores de primeira viagem: "recolha-se em uma
posição confortável (não relaxada, pois não é para dormir) e foque sua
atenção em uma imagem (real ou mental) e, sempre que perceber que está
divagando sobre outras coisas, afaste do pensamento essa outra coisa e
volte a focar o objeto escolhido. Faça isso quantas vezes for
necessário. Se você tentar meditar por 10 minutos e achar que só
conseguiu focar a atenção por poucos segundos, acredite, você já
meditou!"
A respiração é um elemento chave na meditação,
segundo a psicóloga Ferreira. Um dos caminhos possíveis para aqueles que
nunca adentraram nesse terreno, diz ela, é começar pela ioga, para
aprender técnicas de respiração e adquirir a chamada consciência
corporal. A persistência também é muito importante para se alcançar os
benefícios neurofisiológicos e chegar ao ponto de meditar livremente.
Neste estágio, diz Ferreira, "há a perfeita compreensão de que não
pensar em nada é não pensar em nada mesmo".
Outra dúvida dos
não iniciados é quanto tempo meditar. "O primeiro passo consiste em
estabelecer um momento, todos os dias, para a prática", sugere o
obstetra e estudioso Roberto Cardoso. Para quem está começando, bastam
15 a 20 minutos, marcados pelo tempo de uma música utilizada, ou pelo
toque de um relógio.
CÉREBRO ATIVO, CÉREBRO 'SEDENTÁRIO'
Todas as mudanças sugeridas pelos estudos sobre a meditação entram no
terreno da neuroplasticidade - a capacidade do cérebro de alterar-se
estruturalmente quando bem estimulado. A idéia, comprovada por vários
experimentos com imagens, é a de que as células nervosas, os neurônios,
ficam mais fortalecidas quanto mais utilizadas, como ocorre com nossos
músculos. Ou seja, há uma diferença substancial entre um cérebro ativo e
um cérebro, digamos, sedentário. Vários expoentes das neurociências em
todo o mundo consideram a prática da meditação como um atalho para
reconquistar o equilíbrio fisiológico do organismo por meio da
'ginástica' dos intrincados circuitos cerebrais. Como exemplifica a
neurologista Denise Menezes: "quem está reagindo às situações
corriqueiras da vida como se fossem uma questão de vida ou morte,
conquista com a meditação o relaxamento e a tranqüilidade necessária ao
bem viver. Já a pessoa que está apática, sem reagir prazerosamente às
situações favoráveis da vida, a prática pode trazer essa energia,
ativando sensações e sentimentos positivos".
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