Viver neste mundo louco pede jogo de
cintura. Mas não qualquer jogo de cintura. Não estamos falando aqui de
malandragem ou esperteza. O Yoga nos ensina que a capacidade de sermos
flexíveis, de nos adequar alegremente às coisas, é uma atitude positiva
que nada tem a ver com resignação ou fatalismo.
Tampouco significa ficar alienado ou
indiferente à realidade das coisas. Noutras palavras, ser maleável
significa que, calmamente, aceitamos as situações que não podemos mudar.
Abrimos mão da ideia de que mundo deva se adequar àquilo que queremos.
Nos adaptamos a situações e pessoas sem perder o contentamento.
Cultivar essa virtude é essencial para
construir relacionamentos saudáveis, pacíficos e duradouros, onde
tenhamos espaço para o crescimento junto com o outro. Para tanto,
precisamos compreender a natureza desse tipo de relacionamento. O ponto
de partida é aceitar que nunca encontraremos todas as virtudes numa
pessoa só.
Que todas as pessoas têm uma série de
virtudes e outros tantos defeitos com os quais precisamos conviver. Isso
é igualmente verdadeiro para a maneira em que os outros olham para nós:
ninguém irá nos achar 100% aceitáveis.
Reconhecendo esses fatos, compreendemos
que precisamos de algum grau de adaptabilidade para entrar em qualquer
relação. Talvez não sejamos capazes de mudar ou preencher as
expectativas que os demais têm em relação a nós. Talvez os demais
tampouco estejam dispostos ou consigam se adaptar aos nossos próprios
gostos ou aversões.
Os relacionamentos mais desafiantes,
nesse sentido, são aqueles que envolvem trabalharmos sobre as nossas
aversões. Se pudermos mudar a situação, ou colocar uma prudente
distância entre ela e nós, resolvemos a questão. Porém, acontece que
isso nem sempre é possível. Quando defrontados então com esse tipo de
situação, surge esta atitude da alegre tolerância como solução.
Isso significa, noutras palavras, aceitar
o outro como é. Seria tolo da nossa parte esperar que as pessoas ou as
coisas mudem pois nós assim queremos. A realidade da vida simplesmente
não é essa. Via de regra, quando pretendemos que alguém mude, a pessoa
pode ter exatamente o mesmo desejo em relação a nós.
A solução parece ser diminuir as nossas
expectativas em relação aos demais. Isso é algo que, espontaneamente,
nós estamos dispostos a fazer em relação a pessoas tolas: como não
esperamos nada muito especial delas, não nos frustramos, pois não há
desencontro entre as nossas expectativas e o que a realidade nos mostra.
Essa mesma atitude deveria ser estendida a
todos aqueles com quem nos relacionamos. Assim, ninguém conseguirá nos
desapontar. Como máximo, as pessoas poderão nos surpreender, mas jamais
nos frustrar. Portanto, é necessário tomar as pessoas como elas são, da
mesma maneira que apreciamos os fenômenos naturais.
Entendemos, por exemplo que, embora a
chuva possa nos incomodar se estamos andando na rua, ela é uma bênção.
Um inverno sem chuva pode apontar para um verão sem água ou sem luz.
Assim compreendemos que essas forças da natureza têm sempre elementos
misturados, que nos produzem atração e rejeição.
Assim, não pretendemos que a chuva seja
diferente do que é, uma vez que esse tipo de desejo seria tolo.
Apreciamos assim a chuva e a bênção que nos traz na forma da fertilidade
e todas as demais maneiras em que a água nos é benéfica.
O mesmo deveria valer em relação às
pessoas. Sabendo o difícil que é fazermos pequenas mudanças em nós
mesmos, podemos imaginar o quanto é impossível para os demais se
adaptarem ao que esperamos deles. Noutras palavras, não temos opção: o
aceitamos as pessoas como são, ou o sofrimento de todos está garantido.
Para cultivar a pacífica adaptabilidade
devemos responder à pessoa básica e não as ações dela. Conseguimos isso
ao compreender a causa que subjaz nas suas ações. E, ainda quando não
conseguirmos essa compreensão, lembremos que sempre há algum motivo para
tudo.
Assim, ficamos melhor aparelhados para,
por exemplo, fazer frente a uma explosão de raiva ou tristeza por parte
de algum ente querido.
Se conseguirmos evitar uma reação
mecânica, e responder conscientemente à pessoa básica, lembrando que
somos idênticos, seremos capazes de manter a calma. De fato, a resolução
de conflitos passa sempre pela compreensão e aceitação das razões que
movem a cada um.
Reagir sem pensar não é o que possamos
chamar de bom uso do livre arbítrio. Sermos livres, nesse sentido,
significa aprender a usarmos a tolerância, sem perdermos o
contentamento
.
Isso significa realizar ações
deliberadas. Reações mecânicas são respostas condicionadas que
simplesmente acontecem sem a aprovação do nosso livre arbítrio.
Muitas vezes essas reações são totalmente
contrárias à nossa sabedoria, aos nossos valores, ou àquilo que
faríamos se estivéssemos com a cabeça fria. Quando essa falta de
maturidade toma conta de nós, é como se jogássemos pela janela tudo o
que aprendemos.
Assim, até assimilarmos totalmente
valores como a não-violência, a veracidade ou a retidão, devemos ser
cuidadosos para, através da pacífica adaptabilidade, escolher
deliberadamente nossas atitudes, ações e palavras.
Assim percebemos que, incluídas nesse
flexível contentamento, se fazem presentes a compaixão, a piedade, o
perdão e a aceitação. Aceitamos os demais como são. Aceitamos a nós
mesmos como somos. Aceitamos as situações como são, evitando a lamúria, o
remorso ou a culpa.
Nos reconciliamos com nós mesmos e com o
mundo. Isso expande tanto o nosso coração que consegue aceitar as
circunstâncias como são.
Namaste!
Por
Pedro Kupfer
Publicado originalmente no
Yoga.pro
(Via:http://jayayogamag.com)