Uma hora, lá pelas tantas do dia, da noite, da vida, você vai sentir solidão. Acontece com toda gente. Do bebê mais intocado, chorando um instante de falta da mãe, ao velho mais rescaldado remoendo seus mortos, contando suas saudades em fila indiana, todos haveremos de nos sentir sós.
O casal na manhã de seu amor havia pouco sonhava uma cerimônia de casamento, escolhia convidados, mobiliava a casa imaginária, batizava seus filhos que ainda virão. Agora, ainda no caminho de suas primeiras esquinas de mãos juntas, um e outro também se sentem ridiculamente sós, cada um em seu canto de sofá, repassando em silêncio suas dúvidas e angústias irreveláveis.
Na família povoada de crianças, o cachorro de estimação é adorado por todos, tem a saúde cuidada por veterinários com doutorado, é banhado e penteado às terças por equipes especializadas e acolhido no coração de seus donos com alegria diária. Ainda assim, ele também se encolhe em seu canto nas horas quietas e envelhece no escuro sua existência de bicho só.
Depois das vozes e da música, dos risos e das juras de amor verbalizadas nas ondas de satisfação e ternura honesta de um dia alegre, quando restar mais nada além do som da geladeira na noite silenciosa, você há de se sentir só.
Olhando a pessoa amada que dorme ao seu lado, assistindo ao seu virar para lá e cá, as mãos aquecidas entre os travesseiros, os olhos sonhando sob a fidelidade muda das pálpebras, você também vai sentir solidão.
Na visão do campo de futebol de várzea deserto, que há pouco exalava na vizinhança um perfume de grama pisoteada pela alegria dos atletas de ocasião, um vizinho curioso e contemplativo, assistindo à vida pela janela, vai notar a si mesmo em profundo instante de solidão patética.
No cuidado com que a esposa limpa, lixa e pinta as próprias unhas, o marido calado também vai se sentir sozinho. E ela, cuidando de si mesma, amadurecendo sua inseguranças, amenizando seus medos no exercício de se fazer mais bela, também vai se saber criatura solitária.
É que solidão também se sente em casal, grupo, multidão. Quem é só também se percebe assim em família, time de futebol, casa cheia. Solidão é sentimento que repousa dentro da gente e acorda quando quer, pisando de salto duro pela casa, batendo as portas, arrastando a cômoda de madrugada, fazendo barulho.
Você está lá, cercado de gente, tomado de amor, envolvido em conversa animada e pronto. Um vazio estala num canto escondido aí dentro, um medo congela no peito, uma tristeza aparece do nada, como visita que não se espera. E você se torna triste como o terreno baldio entre dois prédios construídos há pouco, habitados por famílias novas, solteiros, estudantes famintos e suas festas. Você é agora nada senão um espaço vazio, esquecido, povoado de pedras e ilhas de mato crescendo lento, em que os incautos e insensíveis vêm despejar velhos sofás à noite e os bem resolvidos descartam seus entulhos e dão as costas.
Sentir solidão é escutar a chuva durante a noite, remoer a cólica que piora em momento insuspeitado. É precisar de um telefone sem sinal, encontrar fotografias revelando saudades, ouvir o silêncio que estoura os tímpanos e aperta o peito. O silêncio da espera dos próximos sons, dos risos vindouros, da conversa seguinte, das visitas novas.
Mas deixe estar. O instante de ser só é condição de quem está vivo. A toda gente da terra e do céu, o vento sopra de manhã, no topo das árvores que acordam com o dia, seu recado firme e urgente: todo mundo há de se sentir só.
E assim, solitários, cada um de nós e todos os nossos seremos como a pedra num sapato vazio: uma pura, honesta e simples manifestação de espera. A esperança da companhia que sempre volta. Aquela que assiste ao seu sono, que lhe dói e cura, que lhe falta e completa.
Porque há sempre um olhar carinhoso à sua busca, mirando ansioso a sua chegada com a alegria dos que acreditam, o frescor das histórias que começam e a ternura poderosa dos gestos simples de amor. O amor que nos acolhe, nos desperta e nos leva adiante, no movimento pleno e grandioso da vida.
Por André J. Gomes
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